Blogue de NELSON S. LIMA

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PENSAR A SOBREDOTAÇÃO


Texto de Tomás Goucha (*)
Membro da Academia de Sobredotados desde 1999.

Em Portugal as notícias sempre surgiram como se fossem doenças. Há sempre um ruído de fundo, endémico, que não é suficiente para despertar a consciência duma pobre mosca. Mas, de vez em quando e da forma mais imprevisível possível, aparece um foco epidémico e é raro o meio de comunicação que não aborde o assunto até à exaustão (às vezes atingem-se verdadeiros níveis pandémicos, de fazer inveja a qualquer H5N1 de meia tigela). Depois de morto e enterrado, o assunto volta ao tal nível endémico e poucas são as vezes em que há efeitos secundários a registar.

Há uns anos, a ribalta das páginas de imprensa e dos ecrãs (dói-me escrever isto sem n) televisivos voltou-se para um assunto que ainda agora faz estremecer alguns: a Sobredotação. Mas será que depois de tanta tinta derramada, houve alguma coisa que tenha mudado? E, afinal, o que é mesmo um sobredotado? Vejamos então o que nos responde o Senhor Dicionário da Academia de Ciências de Lisboa. De acordo com essa bíblia, sobredotado é um substantivo masculino (que sexismo!), sendo aplicável àquele que revela capacidades intelectuais ou físicas acima daquilo que é considerado normal.

Não se pode dizer que os senhores linguistas se tenham afastado muito do que anos e anos de sangue, suor e lágrimas de hordas de psicólogos, psiquiatras e afins alcançaram. No entanto, uma magnífica definição condensada deixa, à partida, duas valentes brechas. Primeiro, o que é normal? Nesse ponto é inútil pegar, como convirão. Passemos, portanto, ao seguinte. O que é inteligência?

O Evangelho segundo a psicologia
Os primeiros conceitos de inteligência cingiam-se àquilo a que actualmente designamos por inteligência lógico-matemática, a capacidade de produzir raciocínios abstractos e dedutivos. Segundo os darwinistas mais ferozes, a inteligência era o expoente máximo da evolução. Deste modo, qualquer psicólogo behaviorista terá ficado felicíssimo ao compreender que poderia avaliá-la numericamente de um modo muito simples: construía-se uma bateria de testes das capacidades cognitivas, atribuindo-se uma idade mental ao examinando. O quociente entre esta e a idade cronológica multiplicado por 100 seria então o célebre Q.I.

Howard Gardner (1983), inconformado com uma perspectiva tão redutora, optou antes pela teoria das inteligências múltiplas (vistas hoje em dia como talentos, dado que não faz sentido referirmo-nos a diversas inteligências num indivíduo, como se tratassem de compartimentos estanques. Há, aliás, quem a associe à ultrapassada frenologia de Gall). 

Havia 7 inteligências centrais e independentes, sendo então ilógico o conceito global de inteligência. A inteligência linguística é a sensibilidade para a língua falada e escrita, materna ou estrangeira, para fins comunicativos; a inteligência lógico-matemática é já nossa conhecida, com uma vertente de raciocínio matemático e simbólico; a inteligência espacial prende-se com a percepção e compreensão dos espaços (todas estas três se enquadram minimamente nos conceitos mais "primitivos" de inteligência). Seguem-se as inteligências de cariz emocional (avaliadas pelo tão afamado Q.E. - quociente emocional - que pretendeu suplantar o obsoleto Q.I., falhando na essência de continuar a resumir uma pessoa a um número!): a inteligência intrapessoal, que reside na capacidade de lidar com as suas próprias emoções e sentimentos, e a inteligência interpessoal, associada às aptidões sociais, de colaboração e interacção. Finalmente temos a inteligência musical e a inteligência corporal-cinestésica, responsável pela coordenação dos movimentos, nomeadamente na prática desportiva.

Insatisfeitos com tão poucas inteligências (só 7... sinceramente...), vieram mais 4 a reboque. Encontramos assim: a inteligência naturalista, que conjuga a vertente racional e o senso comum com a envolvência ecológica; a inteligência espiritual; a inteligência moral e a inteligência existencial, a capacidade de um indivíduo se situar no mundo e questionar a sua essência, indissociável, da filosofia clássica.

O Evangelho segundo a Fisiologia
Há que mencionar que muitos credulamente acharam que o tamanho era importante. E, mais uma vez, se iludiram... Um cérebro grande não traz grandes vantagens sobre um seu congénere mais compacto, estando a magia toda na funcionalidade. Quaisquer estudos de correlação entre a massa ou proporção corporal do encéfalo e a inteligência foram tão conclusivos como os relatórios sobre as armas de destruição massiva no Iraque. Surgiram, portanto, alternativas… As células nervosas estabelecem sinapses (contactos de natureza eléctrica ou química, para um leigo) que fazem fluir a informação através de impulsos, sendo a abundância desses contactos sinápticos um sinal de inteligência, bem como uma arquitectura neuronal mais intrincada. Ora, há quem pense que por trás dum grande homem, está sempre uma grande mulher. Os neurónios habitam num meio povoado por outras células, da glia neural, fundamentais para a nutrição e suporte das estruturas nervosas, podendo ser a chave para a origem da inteligência.
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A sobredotação vista pela Psicologia
Mas então o que é um sobredotado? Um behaviorista teria todo o prazer em replicar "um indivíduo cujo Q.I. seja superior a 130", o que seria extremamente prático e acabaria duma assentada com este artigo. Olhando para a teoria das inteligências múltiplas, esta abordagem afigura-se impraticável. A tentação de manter quantificações mantém-se, embora de forma mais razoável: numa escala de 1 a 6, temos as pessoas de inteligência considerada média, que seria previsível para o seu contexto sócio-cultural e etário, no nível 3. No nível 4 encontramos os "muito inteligentes", constituindo os 5% intelectualmente superiores. No nível 5 situam-se os sobredotados, cuja definição global mais aceite é aquele que tem alguma destas capacidades muito desenvolvidas: habilidade intelectual geral, talento académico, habilidades de pensamento criativo e produtivo, liderança, artes visuais e cénicas, bem como psicomotoras, em suma, que se destaque num (ou mais) dos talentos de Gardner. Finalmente, no nível 6, encontram-se indivíduos profundamente sobredotados ou génios. Este nível é altamente controverso uma vez que a genialidade de um indivíduo será dificilmente avaliada através dum teste, mas sim por provas dadas. Citando Immanuel Kant, "esse nome […] não [se dá] àquele que conhece e sabe muito; e não se dá ao artista que imita apenas, mas àquele que é capaz de produzir a sua obra com originalidade". Assim, a memória assume um papel secundário no panorama das aptidões intelectuais. Caso contrário, um processador com uma base de dados extensa acerca de todas as áreas do conhecimento seria imensamente inteligente.

Sai de cena o conhecimento enciclopédico para o mofo das bibliotecas. E entra o protagonista, em estilo, ainda a cheirar aos choques eléctricos das sinapses: os estilos de pensamento. Parte do brilhantismo de um sobredotado prende-se com o facto de ele conseguir pegar num problema e vê-lo duma perspectiva completamente diferente. Como fazer 4 triângulos equiláteros com 6 fósforos iguais? (Não vale partir fósforos, claro!) O pensamento convergente fará com que se passem horas sobre uma superfície plana a tentar conjugar os fósforos, sobrepondo-os, virando-os, tentando chegar a uma solução que o pensamento divergente terá escondida na cartola. (Warning! Do not proceed if you want to keep trying!) Basta pensar em 3 dimensões e surge um tetraedro como solução natural. Por trás das grandes descobertas científicas, das grandes obras-primas, dos grandes revolucionários, teremos um intelecto capaz de pensar fora dos horizontes onde geralmente está confinado. Grandes respostas criativas (até milagrosas) ficaram gravadas na história. "São rosas, Senhor, são rosas!" Mas nem tudo são rosas...

Facilmente a sobredotação pode converter-se num fardo e um sobredotado será sem dúvida um indivíduo que necessita de apoio. Para esse fim, criaram-se instituições como o Instituto da Inteligência, sediado na cidade do Porto e dirigido pelo neuropsicólogo Nelson Silva Lima, doutorado em Investigação Psicológica. O I.I. "é uma instituição privada, com uma orgânica intencionalmente simples e desburocratizada, orientada para o estudo e a promoção das performances mentais de pessoas e grupos". Entre as suas actividades principais, encontram-se "exames de neuropsicologia, orientação académica e vocacional, formação de professores e outros especialistas", investindo também em áreas tão avant-garde como o neuromarketing. Em particular, uma sub-estrutura do I.I., a Academia de Sobredotados, lida directamente com crianças e jovens sobredotados "com provas dadas de altas capacidades e/ou talentos específicos seja através de testes validados cientificamente, seja através da avaliação da carreira profissional, académica ou desportiva." Na experiência pessoal do Dr. Nelson Lima encontramos inúmeros casos de sobredotados ou "portadores de altas capacidades" (designação muito em voga chez nos amis, les français), sendo impossível estereotipá-los.

A minha entrevista ao Prof. Nelson S Lima.

Após tantos anos a lidar com portadores de altas capacidades, que pontos salientaria?
Saliento em particular o facto de muitas crianças sobredotadas "ficarem pelo caminho", desinteressando-se daquilo que antes constituía o seu factor de diferenciação perante os outros. Foram centenas as que conheci com inteligências brilhantes e que lentamente "se apagaram" tornando-se indivíduos vulgares. Por que isso aconteceu? O sistema (a família, a sociedade, a cultura, etc.) rejeitou-os ou ignorou-os, em especial o sistema educativo que, não sendo capaz de criar condições para os mais capazes, vai a pouco e pouco desmotivando-os das suas próprias potencialidades.
 

A nível de encaminhamento de um sobredotado ao longo da sua vida, o que julga ser primordial? Em que medida se torna útil o diagnóstico?
Considero-o determinante para o sucesso de qualquer pessoa e dos sobredotados, em particular, o desenvolvimento de uma personalidade sadia e equilibrada, em que todos os potenciais possam ser aproveitados. Valores como a honestidade (incluindo a honestidade intelectual) e outros, a adopção de modelos de vida conciliáveis com a inteligência criativa, a defesa de uma autonomia pessoal responsável, o espírito empreendedor, a paixão pelo conhecimento, a defesa de ideais solidários com a Humanidade e o carisma pessoal são, entre outros, factores que determinarão um futuro mais aberto e vivido mais intensamente do que a aposta isolada no potencial da inteligência disponível. Costumo dizer que ser muito inteligente não basta para se ter sucesso na vida; é necessário um comportamento inteligente. Os testes, na verdade ajudam a medir o nível de desempenho em várias áreas como a memória, a capacidade de atenção, certas dimensões da inteligência dita teórica, a capacidade criativa e também o estilo de personalidade. São úteis embora contenham limitações. Por isso, quando se estuda um indivíduo (um sobredotado, por exemplo) é necessário também averiguar muitos outros aspectos da sua vida para compreendermos melhor as várias dimensões da sua individualidade.

Como já foi referido, um mau encaminhamento poderá frequentemente conduzir a um isolamento e exclusão social destes indivíduos. Como pensa que esta vertente seria evitável?
Um mau encaminhamento tanto a nível familiar e social como académico pode resultar em prejuízos para o indivíduo dotado de altas capacidades pois nem sempre o que se oferece não é suficiente para despertar nele todo a riqueza intelectual disponível muitas vezes em estado letárgico. Saliento que há, por vezes, indivíduos aparentando uma pseudodebilidade mental quando, na verdade, são exactamente o oposto: pessoas excepcionalmente desenvolvidas mas que, por diferentes razões, inibiram as suas potencialidades. Recordo um caso dramático de uma jovem que aos 18 anos de idade ainda só tinha dois anos concluídos do primeiro ciclo e que não falava há dez anos; vivia fechada em casa por sua livre iniciativa porque tinha um medo tenebroso de comunicar com as pessoas. Ora bem, até aos 6 anos de idade tinha sido uma menina alegre, extrovertida e sociável. Aconteceu que na escola foi vítima de maus-tratos psicológicos por parte de uma "professora" que fez abortar nela tudo aquilo que o ensino deveria ter proporcionado. Também os sobredotados criativos são dos que mais sofrem inibições e "proibições" na escola por não serem alunos dóceis e passivos. 

O que acha que faz com que se conheçam tão poucos sobredotados em Portugal? O que pensa que deve mudar no nosso país para acolher estes rapazes e raparigas portadores de altas capacidades?
Estima-se que existam entre 35 mil e 50 mil crianças e jovens sobredotados em Portugal. Poucos são detectados porque não existe por parte do sistema escolar um processo que os identifique e os proteja ao contrário do que se passa com os alunos com incapacidades. Há falta de legislação e também de sensibilização por parte dos agentes de ensino.

Para concluir, tratando-se dum assunto tão controverso como a sobredotação, que vertente salientaria: igualdade ou diferença?
Obviamente, diferença!

[A sobredotação, quando diagnosticada, incorre no risco de se transformar num rótulo. A individualidade de cada um é demasiado forte para que possamos subjugar uma pessoa a uma imagem pré-concebida e, na generalidade desajustada. Com o seu aguçadíssimo sentido crítico, a maior parte dos jovens nesta condição têm dificuldades em enfrentar aquilo que, à partida, seria como uma "dádiva divina". Ser sobredotado é mais do que ser um Pentium IV numa loja cheia de 486.

Um sobredotado rapidamente se aperceberá que há um claro desfasamento entre si e o seu grupo de pares. Verá que, por muito que queira, determinadas conversas não podem ser mantidas com aqueles que supostamente lhe deveriam ser mais próximos. A opção tomada mais frequentemente é o isolamento. Vivem num mundo seu, tão rico e com uma trama tão complexa que poderiam permanecer por lá indefinidamente. Muitos procuram integrar-se socialmente e alguns logram-no. Outros acabam por virar costas a uma sociedade injusta e hostil. A revista i decidiu dar a conhecer as duas faces da mesma moeda.

João Ferreira, segundo a sua mãe, "aos 3 anos sabia o Sistema Solar, aos 8 falava de Buracos Negros no jornalinho [pequenas publicações em que manifestava a sua precocidade e sentido criativo], hoje quer ser Astrofísico". Para esta "mãe fascinada", nas palavras do Dr. Nelson Lima, a ajuda do Instituto foi determinante e o equilíbrio emocional do João acabou por se sobrepor a quaisquer preocupações com a componente cognitiva. A comunicação constante com ele é indispensável e não deve deixar de ser "muito exigente na educação e respeito pelos outros", uma vez que a humildade é essencial para a sua aceitação.]

À partida, como defines sobredotação e como te vês no lugar de sobredotado?
Do meu ponto de vista a sobredotação é um maior rendimento do esforço para aprender numa ou mais actividades, como a adaptação a novas situações ou como um grau de consciência superior dos problemas e do mundo ou de si próprio e dos outros.
Até ser identificado pelo Dr. Nelson Lima, não tinha consciência de que era sobredotado. Actualmente, é algo que eu constato ter uma pequena repercussão a nível prático, a nível da consciência do que faço ou do que penso.

Fala um pouco do teu percurso de vida e, em particular, do percurso escolar, nomeadamente na relação com os outros.
No infantário era um líder, dava-me bem com toda a gente; na escola primária integrava-me nos grupos; no 3º ciclo tomei consciência de necessidade de ter amigos e no secundário perdi-os progressivamente até agora, permanecendo alguns estáveis até agora.
Só no 7º ano tive problemas porque os amigos que vinham desde a primária se afastaram ao saberem que eu era sobredotado através da televisão. Por isso, no 8º ano, mudei para outra escola, onde comecei a dar-me com muitos outros tipos diferentes de pessoas e estilos de vida, pelo que admiti a extensão do leque de pessoas com quem andava, o que foi muito benéfico. Quanto aos conhecimentos extra-escola, dou-me especialmente bem com os membros do clube de astronomia (todos eles adultos e com muita cultura geral, não só na área da astronomia), o que tem sido especialmente libertador. 

Olhando para trás, o que é que gostarias de ver mudado no teu caminho, tanto por ti como pelos que te rodearam? 
Primeiramente, gostava de ter nascido noutro país, de ter tido um ensino escolar que me motivasse para além do programa, especialmente a oportunidade de avançar ao ritmo desejado. Concluindo, acho que a escola não só devia transmitir conhecimentos, como também ensinar a pensar, mas não só de uma maneira a seguir por todos. No trato com os sobredotados, há que impor desafios, mas tratá-los normalmente. É claro que tal depende da personalidade... 

Por outro lado, A. Jorge Oliveira seguiu por uma via menos ortodoxa. Num país em que um canudo é visto como imprescindível para que nos consideremos alguém, o Jorge decidiu enveredar pela escrita, deixando de lado a Faculdade de Letras e a sua magnífica propina. O seu percurso é testemunha de como a sobredotação estará longe de ser uma atenuante para os problemas da vida de qualquer jovem. Por vezes as margens entre a sobredotação e a loucura esbatem-se… e, como prova disso, temos o estereótipo do génio maluco.

À partida, como defines sobredotação e como te vês no lugar de sobredotado? Segundo o meu ponto de vista, defino a sobredotação como algo perfeitamente natural, que as pessoas teimam em ver como anómalo. É quase uma regra geral, a maioria das pessoas quando se depara com algo que não compreende, ou estereotipa ou define como “bizarro”. Acho a sobredotação uma característica com várias ramificações, como tal posso interpretar apenas aquilo que considero a minha experiência da mesma. Interpreto sobredotação como

Olhando para trás, o que é que gostarias de ver mudado no teu caminho, tanto por ti como pelos que te rodearam?
Olhando para trás? Bom, ao pensar mudar o que ficou para trás estaria a interferir com a formação da minha personalidade, provavelmente tornar-me-ia numa pessoa completamente distinta da que sou hoje. Isso não me agrada. Tem sido um duro caminho onde, a partir de certa altura, pude apenas contar comigo mesmo. Mas existem objectivos interessantes a seguir no futuro. Um deles seria, por exemplo, um maior apoio do estado a associações que primam pelo apoio a crianças e jovens diferentes. Falo em maiores condições monetárias a essas instituições, de maneira a que as mensalidades diminuíssem ou até mesmo fossem extintas. Tudo tem um preço, mas nem todos os sobredotados são filhos do presidente da câmara ou herdeiros de uma vinicultura. Perguntares-me se considero útil ser sobredotado é o mesmo que perguntares se preciso de um automóvel, não é imprescindível mas é uma grande ajuda. Nasci com a estrutura básica para me movimentar, as pernas. Porém com o automóvel chego um pouco antes dos pedestres ao destino que escolher, na estrada que escolher. Também requer manutenção regular, combustível para circular e acima de tudo muita responsabilidade. Troca a manutenção por acompanhamento, o combustível por motivação, mantém a responsabilidade e aí tens aquilo que do meu ponto de vista é imperativo para o sucesso pessoal e escolar de um sobredotado. Nem igualdade nem diferença devem predominar. O principal valor a seguir deve ser o do respeito e a aniquilação de toda e qualquer ideia preconcebida.

Foram entrevistados 4 professores do Ensino Secundário a respeito deste assunto: Profa. Augusta Damásio, Profa. Emília Santos, Profa. Henriqueta Carolo e Profa. Isilda Jorge. Quanto à preparação da classe docente para lidar com sobredotados, a resposta foi um unânime “Não”, sendo necessária uma maior orientação do sistema de ensino para estes alunos mais exigentes. Quanto ao facto do ensino destes dever ser feito num contexto diferente do ensino oficial corrente, as opiniões divergiram.

O conceito de sobredotado mantém-se vago e difuso, muitas vezes tendo como base mitos criados pela indústria cinematográfica ou pela ignorância popular.

No geral, aqueles que contactaram directamente com um e souberam ultrapassar as eventuais barreiras que se imponham tanto dum lado como doutro salientam um enriquecimento mútuo, quer se trate de pais, colegas, ou professores.

Susana Fátima, que trabalha no Instituto da Inteligência e acompanhou inúmeras crianças e jovens sobredotados, destaca da sua experiência: “Existem laços que duram há muitos anos e já fazem parte da minha vida. Houve casos em que "passei" por ignorante em matérias muito específicas. A lembrança de todos estes anos fazem-me sorrir, pois são tantas as histórias e lembranças que trago comigo que davam um livro.”

Paulo M. Jorge, também pai de um sobredotado, salienta que, a nível da educação em Portugal, “há que criar uma nova mentalidade aberta ao desafio, à inovação e com capacidade de resposta para estes jovens, integrando-os e dando-lhes tarefas diferenciadas em função das suas competências e apetências”. 

Em jeito de conclusão lança a questão angustiada: “Quantos jovens não foram atirados para a indiferença por não ter havido capacidade da parte do ensino oficial e seus actores em os estimular e saber captar? Só porque tiveram a pouca felicidade de não terem ninguém em casa capaz de os entender em tempo útil? Afinal, o sol quando nasce não me parece que seja para todos.”
(*)  Tomás Goucha é um jovem a quem o Instituto da Inteligência detectou um elevado nível de sobredotação em 1999 e com quem convivemos durante anos. Entre as suas realizações destaca-se a participação, com excelentes resultados, nas olimpíadas mundiais de Matemática.