Blogue de NELSON S. LIMA

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CARTA DE UM JOVEM SOBREDOTADO

Pesquisando na internet descobrimos num site da Universidade Federal do Pará (Brasil) uma carta escrita por um estudante de Biologia a propósito da sobredotação. Pelo seu conteúdo e interesse, aqui a reproduzimos:

"Fui uma criança irrequieta. Nada demais, muitas crianças entre 4 e 7 anos também são. Mas minha inquietação não era somente sair correndo por todos os lados e deixar meus pais apreensivos. Um fato me colocou diante de uma verdade que busquei, algum tempo depois, ocultar.

Aconteceu de meu pai, na seleção para uma empresa, ser submetido a um eletroencefalograma. Como ele me achava agitado demais, me submeteu ao mesmo teste. O médico deu o diagnóstico, que para meus pais poderia ser tanto uma bênção quanto uma provação: eu era superdotado.

Superdotado, que palavra engraçada. Colocava-me em uma posição privilegiada em relação às outras crianças. O que me fazia diferente era meu pensamento veloz e minha leitura ter se iniciado aos três anos. Meus pais então tomaram conhecimento do projeto da escola Vilhena Alves, que trabalhava em uma sala especial com crianças na minha situação. Conheci as “tias” e logo me enturmei com meus novos colegas.

Na escola onde estudava, um dia fui levado da minha sala na alfabetização para a sala em frente, a primeira série. Muitas mudanças acontecendo em tempo muito curto. Isso tudo era muito estranho para mim.Mas havia algo: eu era muito agressivo. Não tinha paciência em escutar. Fazia apenas aquilo que queria fazer. Uma criança mimada e cheia de vontades, que era capaz de rasgar um trabalho se não gostasse dele ou bater em um colega de classe por ele pedir um pedaço do lanche.

Isso, mais as minhas idéias pouco ortodoxas, foram o suficiente para meus colegas me taxarem de “doido”, “débil mental” e expressões do mesmo calão. Não havia um dia que eu não chegasse em casa sem me queixar das provocações ou sem descrever uma briga de que havia participado.

Ao longo do tempo, conviver com essa minha condição diferente não parecia tão bom quanto meus pais e as “tias” do Vilhena Alves me diziam. Se ser assim me causava aborrecimentos, preferia ter nascido igual aos outros.Acostumei-me a tentar parecer igual aos outros.

Era difícil; era tido como o CDF da turma. Embora alguns colegas chegassem a me perguntar se eu era superdotado, negava veementemente. Ainda assim, tirar uma nota abaixo do que eu esperava, não necessariamente baixa, me causava desespero, pois achava que meus pais iriam se decepcionar comigo; na minha cabeça, a bênção deveria ter um retorno constante, na forma de notas altas. Por isso, cheguei a chorar com uma nota abaixo das minhas expectativas.

Ser como os outros realmente era complicado. Ter um talento incomum não me ajudava a ser como os meus amigos e colegas. Por isso, por já estar entediado e não querer me sentir diferente, parei de freqüentar o Vilhena Alves.

Anos depois, com insistência das antigas “tias” e dos meus pais, que sempre me incentivaram a investir no meu talento, voltei à escola, para encontrar novas pessoas e profissionais de outros tempos. Muitos colegas já estavam com a vida traçada, portas abertas por sua condição especial. Eu acabara de entrar no ensino médio e queria estudar violão. Dito e feito: eles facilitariam minha matrícula no Conservatório Carlos Gomes (cujo teste havia me reprovado no ano anterior) e eu retornaria às aulas.

Não durei mais de um ano nas atividades do Vilhena, mas permaneci por cinco anos no Conservatório.Hoje, ao contrário do que muitas pessoas esperavam, não me tornei nem músico nem escritor.

Estou concluindo o curso de Licenciatura em Biologia e pretendo dar aulas logo que possível. Ao entrar em contato por acaso, há alguns dias, com uma revista sobre superdotação e um artigo da revista Veja sobre o mesmo assunto, relembrei o quanto lutei para esconder minha condição, sem saber o quanto é boa.

Talvez não seja tarde demais para aproveitá-la; se puder ajudar outras crianças e jovens que receberam a mesma palavra engraçada que eu quando pequeno, agora como professor ficarei mais satisfeito.

Por que escrevi isto? Para alertar pais, familiares e professores sobre a possibilidade de estarem diante de uma criança superdotada e não saberem como agir. Restringir, pode ser, mas reprimir nunca. A curiosidade destas crianças é grande; a minha era constantemente instigada pelas tias do Vilhena. Seria bom ter uma conversa com elas se houver algo de diferente com esta criança. Pode ter sido uma bênção".


Dércio Pena Duarte, estudante de Licenciatura em Biologia pela UFPA, Belém (Brasil).