ENTREVISTA
Arquivo de imprensa
Sofia Castelbranco -Quais são os problemas com que se depara mais
frequentemente?
Nelson S. Lima - Sem dúvida, o insucesso escolar.
No caso específico das crianças sobredotadas, qual é o
acompanhamento aconselhado?
- Ajustamos o acompanhamento ao tipo de sobredotação, à
personalidade e a outras especificidades (idade, por exemplo) das crianças,
sugerindo pistas para um bom aproveitamento integral das altas capacidades ou
dos talentos que revelem.
Quais são os principais problemas que estas crianças
enfrentam no dia-a-dia?
- Sobretudo o desfasamento que por vezes existe entre as
suas capacidades e aquilo que a escola lhes exige. Há dois grandes grupos: as
crianças que estão muito adiantadas relativamente ao ano escolar em que estão
inscritas (o que pode causar nelas aborrecimento e desmotivação) e as que não
gostam da escola por terem preferência por áreas do conhecimento que não estão
contempladas no sistema educativo (é o caso das crianças que gostam de estudar
determinadas áreas da Ciência como Paleontologia ou Biologia Marinha).
Como é que se identifica uma criança sobredotada?
- Por um conjunto de características onde se destacam a
elevada inteligência, a facilidade de aprendizagem, a enorme curiosidade pelo
Saber e uma dedicação intensa e fascinada a uma ou mais áreas do Conhecimento,
da Arte ou do Desporto.
Como é o adulto sobredotado (em termos de comportamentos,
socialização, etc)?
- Uma pergunta difícil. É que tanto há adultos sobredotados
bem integrados na sociedade, na família e no trabalho como há aqueles que não
foram (ainda) capazes de encontrar o seu caminho e o seu lugar no mundo.
Desiludidos e desesperançados sofrem frequentemente de crises existenciais,
depressões e outros problemas emocionais.
Que problemas enfrentam os pais de um sobredotado?
- Podem ser vários, diferindo de caso para caso. Muitos pais
têm receio que os filhos se desmotivem da escola ou até de estudar. É talvez o
problema que mais frequentemente nos colocam.
O sobredotado na escola: quais os cenários possíveis em
termos de comportamentos, formas de interacção e desempenho escolar?
- Há crianças sobredotadas que se dão muito bem na escola.
Geralmente elas estão entre os alunos que habitual e facilmente obtêm as notas
mais elevadas da turma. Outros há que, desmotivados, estão entre os que enfrentam o insucesso escolar crónico. Destaco os designados "sobredotados
criativos" que geralmente têm problemas na escola por serem menos hábeis
no pensamento analítico e lógico-matemático do que no pensamento criativo.
Detestam a aprendizagem muito estruturada pois são influenciados pela sua imaginação, a espontaneidade criativa e o desejo de independência no percurso académico que lhe é imposto pelo sistema. Tornam-se alunos difíceis para muitos professores.
Conte-nos uma história de uma criança sobredotada.
- Lembro-me de uma história dramática. Envolveu uma criança
com 6 anos, nascida na Venezuela, filha de emigrantes portugueses. Quando
regressaram a Portugal ela falava apenas espanhol e teve muita dificuldade em
integrar-se na escola. A professora complicou mais a situação pois achava
desconfortável ter uma aluna que só falava espanhol e era muito conversadora.
Antipatizou com a criança desde o início e fez-lhe uma autêntica perseguição,
ignorando-a e mandando-a sempre calar dizendo-lhe que ela era horrível quando
"abria a boca". Acontece que ao fim de dois anos destes "maus
tratos" a menina fechou-se nos seus medos e nunca mais falou. Fracassou na
escola. Pude reconstituir a história dela com base em documentação oficial derivada de um processo contra a professora entretanto concluído. Quando conheci a jovem, tinha ela 18 anos. Ainda não falava quando a vi pela primeira vez e só tinha o 2º
ano de escolaridade. Nunca foi devidamente tratada nem acompanhada até então.
Estragaram-lhe a infância e a adolescência e o futuro dela nunca será o mesmo.
E, todavia, era uma criança com altas capacidades...Elas ainda estão lá mas
estão inibidas pelo terror imposto por uma professora sem escrúpulos há mais de
uma década.
Nelson S Lima
Fonte: minha entrevista à jornalista Sofia Castelbranco, da revista Magazine Grande
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